domingo, 11 de janeiro de 2009

Abydos, o lugar
Rei Adormecido







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A escolta policial não nos deixou sair antes das 5h. Mesmo assim, conseguimos chegar bem cedo, 8h, de modo a encontrarmos poucos turistas no local. Na verdade, tivemos toda a manhã praticamente sós neste importante lugar sagrado do Antigo Egipto. Só depois começaram a chegar os autocarros de Luxor, o centro turístico do Sul do Egipto.
O Templo actual de Abydos foi edificado sobre a égide de Seti I (1294-1279), segundo faraó da XIX dinastia e pai do famoso conquistador Ramés II, que governou o Egipto durante 67 anos. É um dos monumentos mais importantes do Antigo Egipto. Os seus baixos-relevos têm uma qualidade praticamente insuperável estando num estado muito bom considerando os seus mais de três mil anos de existência.
O mistério de Abydos está relacionado com o mitologema do Rei Adormecido (como o é Artur em Avalon), o primeiro dos Ocidentais (os sábios que vieram do «outro mundo») que como Prometeu trouxe a Sabedoria ao mundo dos humanos. O seu nome mais primitivo no Egipto é Khentamentiou, deus representado com cabeça de chacal como Upuaut e Anúbis. Mais tarde, Khentamentiou foi assimilado a Osíris.
Em Abydos era ritualizada a morte e ressurreição de Osíris com grande participação popular que vivia intensamente o combate entre Seth e Khentamentiou-Osíris. Vinham egípcios de todos os lugares para assistirem a esta festa sagrada.
No interior do Templo, os discípulos aprendiam não só o processo de transmutação simbolizado pela morte e ressurreição de Osíris mas também a teologia da concomitante unidade e multiplicidade da Divindade na sua visão cosmoteísta.
O magnífico Templo de Seti I recebe a Luz a Oriente e encontra a Ocidente o Osirion, o Santo Sepulcro de Osíris que visto do exterior era como uma grande mamoa tipo Cairn ou Dólmen coberto. No seu centro interior podemos observar hoje ruínas ciclópicas de uma construção que protegia o grande «sarcófago de Osíris». A egiptologia oficial postula que o Osirion é do tempo de Seti I, o que não nos parece aceitável já que o tipo de construção é completamente diferente da do Templo e recorda a da edificação sagrada que, no lado esquerdo da Esfinge de Gizé, inicia a via sacra até à pirâmide atribuída a Kefren.
Segundo a tradição, realizavam-se grandes iniciações neste lugar. O candidadto entrava a Norte, como nas pirâmides, caminhava pela via sacra - onde hoje ainda podemos ver a representação dos mistérios da cosmogonia egípcia - chegava a uma ante-sala, mudava de túnica, e entrava no «sarcófago de Osíris» que estava contornado (ou submergido?) pelas águas de um braço do Nilo. Observando este mítico lugar, vêem-me à memória as palavras de Plutarco quando descreveu a experiência viva da iniciação: « Neste mundo [a alma] não tem conhecimento, salvo quando chega ao transe da morte. Então, sofre uma experiência como a daqueles que participam nas grandes iniciações. Por isso se parecem, tanto a palavra com a obra (teleutan ‘morrer’ y teleisqai ‘iniciar-se’), como uma acção com a outra. Primeiro, o vaguear sem rumo, os circuitos fatigantes e os percursos na obscuridade com a suspeita de que nunca terão fim e logo, antes de chegar ao próprio término, todos os terrores, estremecimentos, tremores, suor e confusão. Mas daí sai-se ao encontro de uma luz admirável e é-se acolhido em lugares puros e pradarias, repletas de sons e danças e da solenidade das palavras sacras e visões santas. Uma vez saciado de tudo isso e já iniciado, regressa-se livre e caminha-se liberto; coroado, celebra os mistérios e, na companhia de homens santos e puros, vê dali a turba não iniciada e impura dos seres vivos, no meio da lama e das trevas, pisando-se e empurrando-se uns aos outros, persistindo no medo da morte em comunhão com os malvados, por falta de fé nos bens dali.» (Fragm. 178, Sandbach)
Abydos toca algo de muito profundo na nossa Alma. Algo que este manto espesso do materialismo actual, «espiritual» ou reducionista, não nos quer deixar recordar…

Deixámos Abydos e seguimos em direcção a Denderah, onde se encontra o templo ptolomaico dedicado à deusa-mãe cósmica do Amor Universal. Fernand Schwarz, o egiptólogo que lidera esta expedição, logo nos indicou a importância das seis capelas dedicadas ao ciclo de Osíris que se encontram no terraço do Templo. Marcam a sequência da festa-ritual da morte e ressurreição de Osíris de cerca de três semanas que se realizava no mês de Koiak, começando na Lua Nova e acabando na Lua Cheia. Aqui se vê claramente a relação entre o culto dos mortos (Osíris é o rei do Dwat, o «Outro Mundo») e o culto agrário, Osíris permite, através das cheias do Nilo, a ressurreição anual da Natureza. Numa destas salas encontra-se o célebre Zodíaco de Denderah, melhor, encontra-se uma cópia já que o original levou-o Napoleão para Paris e está actualmente no Museu do Louvre.
Mas este Templo tem muitos outros motivos de interesse, nomeadamente a representação da criação do mundo na sua cripta de difícil entrada.
Encontro o entardecer junto ao lago sagrado que simbolizava as águas genesíacas de Nun, a divindade primordial donde emergiu Atum.
Era a atmosfera ideal para nos despedirmos de Hathor, a «Casa de Hórus». Seguimos para Luxor, a gloriosa Tebas do Império Novo.

Luxor, 8 de Janeiro de 2008
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quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Pelas Terras do Egipto Médio

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Depois de visitarmos alguns locais do Baixo Egipto, do Delta do Nilo, entramos pelas terras do chamado Egipto Médio, já pertença ao Alto Egipto.
Começa-se a entrar no Egipto profundo, rural, em que o Nilo é realmente a fonte de Vida. Em pleno deserto, há uma linha de poucas centenas de metros de campos verdejantes bem férteis resultante daquele grande rio que nasce a Sul, origem da vida para os egípcios, e percorre o deserto na direcção Norte onde se abre como uma flor. Impressiona ver essa flor numa fotografia de satélite.
Nilo, um dom dos deuses ou da Natureza.
Este Egipto rural vive na Idade Média total, muito pobre, sem higiene e sem ordem, vive ao sabor de um ritmo suave como o ar de contemplação de muitos dos filhos desta terra órfã dos grandes génios que a governaram. E no meio desse caos e pobreza, lá estão elas, as antenas parabólicas por cima das casas que ficam quase sempre em tijolo e não se finalizam…
Mas nessa atmosfera, como sempre, os sorrisos das crianças são encantadores e lá andam os jovenzitos em cima dos burrinhos na faina agrícola, como há milhares de anos. A Natureza abençoa-os, a estes povos órfãos de uma liderança que honre o seu passado. Nós, os portugueses, também disso temos experiência, desde há quinhentos anos. Mas aqui o abismo é de outra dimensão…
Chegámos a Minya e, de seguida, visitámos os muito interessantes túmulos dos líderes provinciais da região. Estão escavados na rocha da montanha e têm a singularidade de ser muito mais realistas que os clássicos túmulos, sejam eles da Necrópole de Mênfis (Sakarah) ou da de Tebas. Fica-se com uma ideia da vida quotidiana no Império Médio do Antigo Egipto. Esteve connosco o especialista da região, impecável e muito competente.
Também vimos o pouco conhecido templo de Hatchepsut desta região do Egipto Médio. Lá aparecem umas interessantes representações do deus Thot com os dois bastões com serpentes enroladas, uma forma egípcia do Caduceu de Hermes.
Regressando a Minya apareceu a Televisão egípcia para nos entrevistar. Muito simpáticos queriam saber porque o nosso grupo de investigadores estavam interessados nesta região. Lá focámos a importância de Hermopólis no Antigo Egipto, mas, no meu caso, quando soube que era português, o jornalista logo me perguntou se eu conhecia o Manuel José. Bem, a verdade é que não me estava a lembrar de ninguém precisamente com esse nome, mas lá me redordei que um treinador de futebol com esse nome veio para o Egipto e está a ter muito sucesso. O jornalista vibrou por saber que esse treinador era muito conhecido em Portugal e que sabíamos que ele estava a fazer uma boa jornada no seu País, os seus olhos até brilharam.
No dia seguinte, logo pela manhã, na perpendicular da corrente do Nilo, a paisagem enche-se de magia e o disco solar vence as trevas da noite e aparece sobre a colina oriental lançando os seus raios sobre as mágicas águas do Nilo que se banham na sua luz.
Visitámos Hermopólis, a cidade sagrada do deus Thot e um grande centro filosófico do Antigo Egipto que durou com bastante vitalidade até à época dos Ptolomeus. Destas Escolas de Pensamento Mistérico recolheram os greco-egípcios da época helenística a sabedoria que apelidaram de Hermes Trismegisto. Pouco se salvou desta cidade, embora muito ainda falte por escavar. Com os rebanhos a andarem por cima e os seus pastorinhos, recorda imediatamente a célebre Profecia de Thot, a divindade egípcia que inventou a escrita, tutela a sabedoria e os escribas, protege a regra (Maat) e permite a ligação entre o Céu e a Terra.
À tarde tivemos oportunidade de visitar o importante túmulo de Petosiris, um prestigiado sacerdote de Thot.
Já hoje de manhã, visitámos o Museu de Mallawi, sem electricidade, portanto, sem iluminação, mas com bilhetes especiais para tirar fotografias sem flash. Contudo, vale a pena, a colecção de Íbis e cinocéfalos rituais é fabulosa. Estes são dos dois animais simbólicos dedicados a Thot. Entre muitas outras, há uma representação deveras sugestiva: um sacerdote saúda um grande íbis com o braço direito, no esquerdo tem a oferenda, e o Íbis segreda-lhe algo ao ouvido…
Mas o resto do dia foi dedicado a visitar Tell el Amarna, a Brasília egícpia, ou seja, a cidade que o polémico Akhenaton mandou construir completamente de raiz a poucos quilómetros de Hermopólis. Observámos o pouco que ficou da cidade, nomeadamente as ruínas do Templo principal, do palácio de Nefertiti e um número considerável de túmulos construídos segundo o Cânone de Amarna.
Foram dois os temas muito estimulantes debatidos nos últimos dias: (1) A importância do helenismo greco-egípcio como transmissor do pensamento egípcio; (2) O fenómeno da heresia de Akhenaton, tema polémico, mas que para nós ficou bem claro que se tratou um reducionismo à grande amplitude da visão cosmoteísta do Antigo Egipto e que muitas das análises sobre o tema são feitas de modo superficial e anacrónico, sem real conhecimento da visão do mundo e da história teológica desta grande civilização do Nilo.
Toda esta região praticamente não tem turistas.
Amanhã estaremos em Abydos, a cidade do Santo Sepulcro de Osíris, ou de Khentamentiu. Durante milénios, os egípcios peregrinaram a este lugar sagrado, o lugar da ressurreição e da renovação mágica.

Asyut, 7 de Janeiro de 2009

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domingo, 4 de janeiro de 2009

A Pirâmide Vermelha.
O Mistério reitera-se...












Hoje foi um dia de grandes emoções e debates. O clima continua perfeito, cerca de 20 graus, e a luz maravilhosa. Só realmente é pena o contraste abismal entre o antigo e a actual Egipto. O Cairo demonstra grandes melhoras com o aeroporto novo, um periférico que melhorou bastante o trânsito, mas quando saímos das zonas mais nobres é o caos... entristece e recorda a profecia de Thot.

Debatemos a questão interessantíssima da mudança teológica entre a terceira e a quarta dinastia, entre o porquê da pirâmide escalonada de Djoser (Sakarah, III dinastia) e as pirâmides da IV dinastia iniciadas por Snefru. É como a mudança do românico para o gótico que não foi uma evolução arquitectónica mas sim correspondem a duas filosofias simbólico-teológicas diferentes.

Também evocámos as figuras de dois grandes sábios do III milénio a. C.: Imotep e Ptahotep. Aconselho vivamente a leitura das máximas de Ptahotep, mestre, escriba e visir que viveu 100 anos!

Mas quero deixar-vos o testemunho do que considero mais um Mistério do Antigo Egipto. Trata-se da Pirâmide Vermelha localizada em Dahshur e atribuída ao faraó Snefru. Pode-se visitar o seu interior depois de percorrer uma escada estreita de 65 metros em direcção ao seu «útero» de três enigmáticas salas. É uma experiência que vale a pena, fortíssima. E quando chegamos a essas três salas verificamos que a abóbada dos tectos segue o mesmo modelo que as abóbadas escalonadas dos Mayas (a última imagem que inseri é de uma abóbada Maya da zona de Tikal, Guatemala). O que é que isto significa? E como foi possível tanta perfeição no corte dos monólitos sem sequer utilizar o ferro?

Em cima, deixo-vos oito fotografias desta mágica pirâmide.

Continuarei pelas Terras de Khem.

Fayoum, 4 de Janeiro de 2008
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sábado, 3 de janeiro de 2009

Conheceremos o «centro»
do Antigo Egipto?

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«A deficiência, por vezes radical, de apetrechamento antropológico e filosófico nos historiadores, é uma das causas da facilidade com que se entregam a diversos tipos de apologética, com os seus respectivos sistemas sofísticos. A sua metodologia também começa, consequentemente, não pelo centro, mas por pontos periféricos que não poucas vezes ignoram o próprio centro – o homem íntegro e profundo.»

António Quadros
In Introdução à Filosofia da História

O Egipto permanece um mistério. O que sabemos sobre o Antigo Egipto não se compara com o muito que desconhecemos. Em termos horizontais quem o diz é o próprio Zahi Hawass, o director do Conselho Supremo de Antiguidades do Egipto: «Eu sempre disse nas minhas conferências que até agora apenas descobrimos 30% dos monumentos egípcios. 70% continuam por debaixo das areias». Mas refiro-me, sobretudo, ao aspecto vertical, à compreensão profunda dos móbiles que levou à plasmação de uma civilização milenar que, em certos campos, ainda hoje não foi ultrapassada.

Mas, mesmo, nos aspectos mais factuais, vale a pena reflectir um pouco como o pensamento livre demora a chegar à ciência.

No avião, tive a oportunidade de folhear a revista da Egyptair, e lá vinha um artigo do mediático arqueólogo egípcio já citado. Ninguém lhe retira valiosos méritos nos contributos que tem dado à egiptologia, nomeadamente quando provou que as pirâmides não foram construídas por escravos, mas por profissionais bem considerados pelo antigo estado egípcio, depois de encontrar e estudar o lugar onde eles viviam, desmantelando assim uma das lendas negras criadas relativamente ao Antigo Egipto. Mas, parafraseando António Quadros, mantém outro sistema sofístico insistindo na proposta irrealista da ciência oficial para a construção dos grandes monumentos egípcios através de métodos manuais com cordas; todos nos lembramos dos célebres desenhos. No seu artigo crítica com razão muitas das asserções de tipo new age, feitos muitas vezes com poucos escrúpulos e com muita maionese (fantasia) à mistura. Porém, isso não quer dizer que a razão esteja no lado oposto do pêndulo. Zahi afirma que mostrou ao jornalista Art Bell, ao vivo, um grupo de trabalhadores a partirem com uma peça de ferro (mas os egípcios não utilizavam o ferro!) um bloco de oito toneladas em dois, que os carregaram depois. Parece que Art Bell ficou convencido, porém, isto é a ciência, a procura da verdade científica acima de quaisquer interesses, substituída pelo «ar do tempo», pelo status quo. Hawass para falar tão categoricamente não nos pode iludir com monólitos e oito toneladas, mas sim com aqueles de 300 toneladas utilizados na Grande Pirâmide que tive a oportunidade de ver hoje mesmo. E o que dizer dos imensos blocos de granito de dezenas de toneladas utilizado no complexo de Gize e trazidos do sul a cerca de 900 kms, facto que também hoje comprovei com um profissional egípcio e com um egiptólogo. Recordemos que em Portugal já foram feitas várias tentativas sem sucesso para demonstrar como se erguiam os monumentos megalíticos.
Fica aqui a pergunta: por que razão não se aceita que não se sabe como foram construídas as pirâmides?

Efectivamente, o encaixe de alguns monólitos do templo antigo junto à Esfinge (ver imagem abaixo) lembra-me a muralha de Micenas e a ciclópica Sacsayhuaman do Peru. Para mim, a versão de Platão narrada no Timeu e no Crítias mantém-se a mais verosímil quando refere a existência de uma excepcional civilização atlante muito anterior às culturas do seu tempo. E donde lhe veio essa informação? Precisamente do Egipto.

Mas passemos ao aspecto vertical. Qual era o objectivo máximo da civilização egípcia? Possivelmente, criar meios para que a alma (Ba) do ser humano se tornasse um ser de luz (akh) e atingisse a barca-dos-milhões-de-anos de Rá, vivesse a Eternidade em Plenitude no mundo espiritual puro. Toda a vida na Terra tinha como objectivo criar condições para que a passagem do Ka (momento que nós chamamos morte) ao Dwat (mundo psíquico ou imaginal regido por Osíris) abrisse grandes oportunidades de vida celeste ao Ser.

Todos estes termos nos podem parecer distantes, mas o nosso coração profundo entende-os. O Egipto antigo é uma cultura por excelência da imaginação simbólica. Quer dizer, para o antigo egípcio era a imaginação abençoada pela luz de Rá que causava os acontecimentos na Terra e não o inverso. Isto é um grande estímulo à actividade criativa da alma. E um ser espiritualmente criativo não entra em depressão nem necessita de Prozac.

Há algo no Egipto que nos escapa, mas que já intuímos. No nosso tempo, conseguimos erguer uma civilização tecnologicamente muito avançada mas perdemos a Ciência de alimentar de Luz o nosso Ba. Perdemos a relação espiritual com a Natureza e com a dimensão simbólica que nos dá acesso a grandes vivências do sagrado. Caminhamos por entre as pirâmides, a qualidade da construção e o seu tamanho esmaga-nos, mas o mais importante é a mensagem que silenciosamente emana dos seus segredos. Alguns princípios dessa ideologia são muito simples, a alma morre ao regressar ao seu túmulo (o corpo físico), pelo que é necessário provocar a regeneração do Ser, acordar a Alma (Ba). Rito que, com certeza, seria praticado no recentemente descoberto túmulo de Osíris no vale de Gize perto da pirâmide de Kefren a 35 metros de profundidade, onde apanhava um braço subterrâneo do Nilo. E era a própria cheia do Nilo que faria o baptismo iniciático ao candidato que se colocava dentro do sarcófago ritual.

Hoje vivi um pouco no Egipto do Império Antigo (3º milénio a. C.), num período onde não se praticavam as inscrições nos templos (isso começou depois da IV dinastia), as suas paredes eram lisas, a geometria sagrada e as conexões astrológicas absorviam o saber destes homens, de um tempo onde a tradição oral era (como sempre foi) a via por excelência da transmissão do conhecimento. O templo mais antigo junto à Esfinge permanece um hino à simplicidade, ciência e sabedoria destes mestres antigos. Os monólitos são enormes vindos do Sul do Egipto, os encaixes perfeitos, as linhas geométricas simples. Virado para o Sol nascente, estava junto a um porto, pois um braço do Nilo chegava a poucas dezenas de metros da Esfinge. O seu chão é de alabastro branco e as colunas e paredes de granito vermelho. O branco horizontal, o leite que alimenta e regenera, o vermelho vertical, o fogo que ilumina ou o sangue que dá a vida espiritual. Mesmo quando a linguagem simbólica se complexiza, a mensagem que oculta é sempre simples e profunda. Mas neste espaço sagrado, tudo era simples e claro. Nele foi encontrada a célebre estátua de Kefren com o falcão sobre os ombros, ou seja, o Ka de Hórus que o protegia e inspirava.

O Museu das Antiguidades Egípcias do Cairo está cheio de autênticas maravilhas que ganham um ambiente especial com a péssima iluminação (lembra-me o caso do também fascinante museu de Heracleon, em Creta). O tesouro de Tutankhamon é realmente do «outro mundo», uma síntese da sabedoria egípcia, um legado para a posteridade. Dentro das centenas de peças encontradas no seu túmulo há um Osíris de madeira, feito para receber ritualmente o limo das cheias do Nilo, símbolo da fertilidade. Face aos sumptuosos tesouros dourados, esta peça de madeira com milhares de anos passa despercebida mas mantém uma energia invulgar. Qualquer um pode colocar a mão por cima e senti-lo. O Egipto continua com infinitos porquês a desafiar-nos.

De regresso ao Vale de Gizé, a temperatura está agradável, o deserto cobre-se com o manto da Luz ocidental. Um raio de luz penetrou hoje no meu coração. Amanhã estarei em Mênfis.

Gizé, 3 de Janeiro de 2009
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quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

De Paris à velha
Terra de Khem



Sim, as verdadeiras viagens são interiores, as vivências da Alma. Lembremo-nos sempre de Sócrates (refiro-me ao filósofo grego) e de Kant que não viajavam foram do âmbito das suas cidades. Contudo, as viagens exteriores ajudam, abrem-nos horizontes, dão oportunidades às sincronicidades, permitem sentirmos outras paisagens, outras culturas, e por vezes contactarmos subtilmente com esse mistério que estruturou espiritualmente as grandes civilizações da Antiguidade. Há que buscar a novidade do que é muito antigo, dizia Almada Negreiros...

Estou em Paris, cidade que amo, que calcorreio quilómetros e quilómetros. Ler um bom livro no Jardim do Luxemburgo, descer até à Notre-Dame, seguir até ao Louvre, recordar junto ao obelisco trazido do templo de Luxor (Praça da Concórdia) a aventura egípcia Napoleão, são para mim um rituais de fruição estética (e não só) que se mantêm vivos.

Como é sabido a egiptologia deve muito a Napoleão e aos franceses. Interesse que permanece fortíssimo hoje em dia. Não o é para menos. O Egipto tem a «novidade» que o Almada Negreiros buscava e que Schwaller de Lubicz investigou durante décadas nomeadamente através do estudo da geometria sagrada.

Daqui a poucos dias estarei novamente em Luxor, poderei reencontrar-me com a divina estátua de Tutmósis III (imagem acima) e a majestade do Templo de Karnak. Será a primeira vez que visitarei Hermopólis, a cidade sagrada de Thot, o deus da sabedoria assimilado helenisticamente como o Hermes Trismegisto, o três vezes grande. E amanhã já estarei na velha terra de Khem, perto das Pirâmides e da enigmática «Tumba de Osíris» assim baptizada por Zahi Hawass, essa cripta subterrânea encontrada no Vale de Gizé com um «sarcófago» vazio ladeado por água. A meu ver, um lugar iniciático. Juntar-me-ei a uma expedição de investigadores de 7 países. Vamos seguir pelo Nilo durante semana e meia... sim, claro, gostaria que fossem meses.

Irei dando notícias no blog.

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