quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Pelas Terras do Egipto Médio

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Depois de visitarmos alguns locais do Baixo Egipto, do Delta do Nilo, entramos pelas terras do chamado Egipto Médio, já pertença ao Alto Egipto.
Começa-se a entrar no Egipto profundo, rural, em que o Nilo é realmente a fonte de Vida. Em pleno deserto, há uma linha de poucas centenas de metros de campos verdejantes bem férteis resultante daquele grande rio que nasce a Sul, origem da vida para os egípcios, e percorre o deserto na direcção Norte onde se abre como uma flor. Impressiona ver essa flor numa fotografia de satélite.
Nilo, um dom dos deuses ou da Natureza.
Este Egipto rural vive na Idade Média total, muito pobre, sem higiene e sem ordem, vive ao sabor de um ritmo suave como o ar de contemplação de muitos dos filhos desta terra órfã dos grandes génios que a governaram. E no meio desse caos e pobreza, lá estão elas, as antenas parabólicas por cima das casas que ficam quase sempre em tijolo e não se finalizam…
Mas nessa atmosfera, como sempre, os sorrisos das crianças são encantadores e lá andam os jovenzitos em cima dos burrinhos na faina agrícola, como há milhares de anos. A Natureza abençoa-os, a estes povos órfãos de uma liderança que honre o seu passado. Nós, os portugueses, também disso temos experiência, desde há quinhentos anos. Mas aqui o abismo é de outra dimensão…
Chegámos a Minya e, de seguida, visitámos os muito interessantes túmulos dos líderes provinciais da região. Estão escavados na rocha da montanha e têm a singularidade de ser muito mais realistas que os clássicos túmulos, sejam eles da Necrópole de Mênfis (Sakarah) ou da de Tebas. Fica-se com uma ideia da vida quotidiana no Império Médio do Antigo Egipto. Esteve connosco o especialista da região, impecável e muito competente.
Também vimos o pouco conhecido templo de Hatchepsut desta região do Egipto Médio. Lá aparecem umas interessantes representações do deus Thot com os dois bastões com serpentes enroladas, uma forma egípcia do Caduceu de Hermes.
Regressando a Minya apareceu a Televisão egípcia para nos entrevistar. Muito simpáticos queriam saber porque o nosso grupo de investigadores estavam interessados nesta região. Lá focámos a importância de Hermopólis no Antigo Egipto, mas, no meu caso, quando soube que era português, o jornalista logo me perguntou se eu conhecia o Manuel José. Bem, a verdade é que não me estava a lembrar de ninguém precisamente com esse nome, mas lá me redordei que um treinador de futebol com esse nome veio para o Egipto e está a ter muito sucesso. O jornalista vibrou por saber que esse treinador era muito conhecido em Portugal e que sabíamos que ele estava a fazer uma boa jornada no seu País, os seus olhos até brilharam.
No dia seguinte, logo pela manhã, na perpendicular da corrente do Nilo, a paisagem enche-se de magia e o disco solar vence as trevas da noite e aparece sobre a colina oriental lançando os seus raios sobre as mágicas águas do Nilo que se banham na sua luz.
Visitámos Hermopólis, a cidade sagrada do deus Thot e um grande centro filosófico do Antigo Egipto que durou com bastante vitalidade até à época dos Ptolomeus. Destas Escolas de Pensamento Mistérico recolheram os greco-egípcios da época helenística a sabedoria que apelidaram de Hermes Trismegisto. Pouco se salvou desta cidade, embora muito ainda falte por escavar. Com os rebanhos a andarem por cima e os seus pastorinhos, recorda imediatamente a célebre Profecia de Thot, a divindade egípcia que inventou a escrita, tutela a sabedoria e os escribas, protege a regra (Maat) e permite a ligação entre o Céu e a Terra.
À tarde tivemos oportunidade de visitar o importante túmulo de Petosiris, um prestigiado sacerdote de Thot.
Já hoje de manhã, visitámos o Museu de Mallawi, sem electricidade, portanto, sem iluminação, mas com bilhetes especiais para tirar fotografias sem flash. Contudo, vale a pena, a colecção de Íbis e cinocéfalos rituais é fabulosa. Estes são dos dois animais simbólicos dedicados a Thot. Entre muitas outras, há uma representação deveras sugestiva: um sacerdote saúda um grande íbis com o braço direito, no esquerdo tem a oferenda, e o Íbis segreda-lhe algo ao ouvido…
Mas o resto do dia foi dedicado a visitar Tell el Amarna, a Brasília egícpia, ou seja, a cidade que o polémico Akhenaton mandou construir completamente de raiz a poucos quilómetros de Hermopólis. Observámos o pouco que ficou da cidade, nomeadamente as ruínas do Templo principal, do palácio de Nefertiti e um número considerável de túmulos construídos segundo o Cânone de Amarna.
Foram dois os temas muito estimulantes debatidos nos últimos dias: (1) A importância do helenismo greco-egípcio como transmissor do pensamento egípcio; (2) O fenómeno da heresia de Akhenaton, tema polémico, mas que para nós ficou bem claro que se tratou um reducionismo à grande amplitude da visão cosmoteísta do Antigo Egipto e que muitas das análises sobre o tema são feitas de modo superficial e anacrónico, sem real conhecimento da visão do mundo e da história teológica desta grande civilização do Nilo.
Toda esta região praticamente não tem turistas.
Amanhã estaremos em Abydos, a cidade do Santo Sepulcro de Osíris, ou de Khentamentiu. Durante milénios, os egípcios peregrinaram a este lugar sagrado, o lugar da ressurreição e da renovação mágica.

Asyut, 7 de Janeiro de 2009

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2 comentários:

  1. Viajar ao longo do Nilo, da sua Arte e da sua História, deve ser fascinante.
    Continuarei a visitar a vossa aventura, enviando uma saudação para o Nilo e para todas as pessoas de bem que ali vivem e viveram. Boa viagem !
    M. A. Neves

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  2. E é de facto um grande enigma observar o que se passa, muitos séculos mais tarde, em certos locais onde antes floresceram grandes civilizações.
    Certamente muitas dificuldades, mas ainda assim alguns lindos sorrisos.
    M. A.

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