.
A escolta policial não nos deixou sair antes das 5h. Mesmo assim, conseguimos chegar bem cedo, 8h, de modo a encontrarmos poucos turistas no local. Na verdade, tivemos toda a manhã praticamente sós neste importante lugar sagrado do Antigo Egipto. Só depois começaram a chegar os autocarros de Luxor, o centro turístico do Sul do Egipto.
O Templo actual de Abydos foi edificado sobre a égide de Seti I (1294-1279), segundo faraó da XIX dinastia e pai do famoso conquistador Ramés II, que governou o Egipto durante 67 anos. É um dos monumentos mais importantes do Antigo Egipto. Os seus baixos-relevos têm uma qualidade praticamente insuperável estando num estado muito bom considerando os seus mais de três mil anos de existência.
O mistério de Abydos está relacionado com o mitologema do Rei Adormecido (como o é Artur em Avalon), o primeiro dos Ocidentais (os sábios que vieram do «outro mundo») que como Prometeu trouxe a Sabedoria ao mundo dos humanos. O seu nome mais primitivo no Egipto é Khentamentiou, deus representado com cabeça de chacal como Upuaut e Anúbis. Mais tarde, Khentamentiou foi assimilado a Osíris.
Em Abydos era ritualizada a morte e ressurreição de Osíris com grande participação popular que vivia intensamente o combate entre Seth e Khentamentiou-Osíris. Vinham egípcios de todos os lugares para assistirem a esta festa sagrada.
No interior do Templo, os discípulos aprendiam não só o processo de transmutação simbolizado pela morte e ressurreição de Osíris mas também a teologia da concomitante unidade e multiplicidade da Divindade na sua visão cosmoteísta.
O magnífico Templo de Seti I recebe a Luz a Oriente e encontra a Ocidente o Osirion, o Santo Sepulcro de Osíris que visto do exterior era como uma grande mamoa tipo Cairn ou Dólmen coberto. No seu centro interior podemos observar hoje ruínas ciclópicas de uma construção que protegia o grande «sarcófago de Osíris». A egiptologia oficial postula que o Osirion é do tempo de Seti I, o que não nos parece aceitável já que o tipo de construção é completamente diferente da do Templo e recorda a da edificação sagrada que, no lado esquerdo da Esfinge de Gizé, inicia a via sacra até à pirâmide atribuída a Kefren.
Segundo a tradição, realizavam-se grandes iniciações neste lugar. O candidadto entrava a Norte, como nas pirâmides, caminhava pela via sacra - onde hoje ainda podemos ver a representação dos mistérios da cosmogonia egípcia - chegava a uma ante-sala, mudava de túnica, e entrava no «sarcófago de Osíris» que estava contornado (ou submergido?) pelas águas de um braço do Nilo. Observando este mítico lugar, vêem-me à memória as palavras de Plutarco quando descreveu a experiência viva da iniciação: « Neste mundo [a alma] não tem conhecimento, salvo quando chega ao transe da morte. Então, sofre uma experiência como a daqueles que participam nas grandes iniciações. Por isso se parecem, tanto a palavra com a obra (teleutan ‘morrer’ y teleisqai ‘iniciar-se’), como uma acção com a outra. Primeiro, o vaguear sem rumo, os circuitos fatigantes e os percursos na obscuridade com a suspeita de que nunca terão fim e logo, antes de chegar ao próprio término, todos os terrores, estremecimentos, tremores, suor e confusão. Mas daí sai-se ao encontro de uma luz admirável e é-se acolhido em lugares puros e pradarias, repletas de sons e danças e da solenidade das palavras sacras e visões santas. Uma vez saciado de tudo isso e já iniciado, regressa-se livre e caminha-se liberto; coroado, celebra os mistérios e, na companhia de homens santos e puros, vê dali a turba não iniciada e impura dos seres vivos, no meio da lama e das trevas, pisando-se e empurrando-se uns aos outros, persistindo no medo da morte em comunhão com os malvados, por falta de fé nos bens dali.» (Fragm. 178, Sandbach)
Abydos toca algo de muito profundo na nossa Alma. Algo que este manto espesso do materialismo actual, «espiritual» ou reducionista, não nos quer deixar recordar…
Deixámos Abydos e seguimos em direcção a Denderah, onde se encontra o templo ptolomaico dedicado à deusa-mãe cósmica do Amor Universal. Fernand Schwarz, o egiptólogo que lidera esta expedição, logo nos indicou a importância das seis capelas dedicadas ao ciclo de Osíris que se encontram no terraço do Templo. Marcam a sequência da festa-ritual da morte e ressurreição de Osíris de cerca de três semanas que se realizava no mês de Koiak, começando na Lua Nova e acabando na Lua Cheia. Aqui se vê claramente a relação entre o culto dos mortos (Osíris é o rei do Dwat, o «Outro Mundo») e o culto agrário, Osíris permite, através das cheias do Nilo, a ressurreição anual da Natureza. Numa destas salas encontra-se o célebre Zodíaco de Denderah, melhor, encontra-se uma cópia já que o original levou-o Napoleão para Paris e está actualmente no Museu do Louvre.
Mas este Templo tem muitos outros motivos de interesse, nomeadamente a representação da criação do mundo na sua cripta de difícil entrada.
Encontro o entardecer junto ao lago sagrado que simbolizava as águas genesíacas de Nun, a divindade primordial donde emergiu Atum.
Era a atmosfera ideal para nos despedirmos de Hathor, a «Casa de Hórus». Seguimos para Luxor, a gloriosa Tebas do Império Novo.
Luxor, 8 de Janeiro de 2008
.
A escolta policial não nos deixou sair antes das 5h. Mesmo assim, conseguimos chegar bem cedo, 8h, de modo a encontrarmos poucos turistas no local. Na verdade, tivemos toda a manhã praticamente sós neste importante lugar sagrado do Antigo Egipto. Só depois começaram a chegar os autocarros de Luxor, o centro turístico do Sul do Egipto.
O Templo actual de Abydos foi edificado sobre a égide de Seti I (1294-1279), segundo faraó da XIX dinastia e pai do famoso conquistador Ramés II, que governou o Egipto durante 67 anos. É um dos monumentos mais importantes do Antigo Egipto. Os seus baixos-relevos têm uma qualidade praticamente insuperável estando num estado muito bom considerando os seus mais de três mil anos de existência.
O mistério de Abydos está relacionado com o mitologema do Rei Adormecido (como o é Artur em Avalon), o primeiro dos Ocidentais (os sábios que vieram do «outro mundo») que como Prometeu trouxe a Sabedoria ao mundo dos humanos. O seu nome mais primitivo no Egipto é Khentamentiou, deus representado com cabeça de chacal como Upuaut e Anúbis. Mais tarde, Khentamentiou foi assimilado a Osíris.
Em Abydos era ritualizada a morte e ressurreição de Osíris com grande participação popular que vivia intensamente o combate entre Seth e Khentamentiou-Osíris. Vinham egípcios de todos os lugares para assistirem a esta festa sagrada.
No interior do Templo, os discípulos aprendiam não só o processo de transmutação simbolizado pela morte e ressurreição de Osíris mas também a teologia da concomitante unidade e multiplicidade da Divindade na sua visão cosmoteísta.
O magnífico Templo de Seti I recebe a Luz a Oriente e encontra a Ocidente o Osirion, o Santo Sepulcro de Osíris que visto do exterior era como uma grande mamoa tipo Cairn ou Dólmen coberto. No seu centro interior podemos observar hoje ruínas ciclópicas de uma construção que protegia o grande «sarcófago de Osíris». A egiptologia oficial postula que o Osirion é do tempo de Seti I, o que não nos parece aceitável já que o tipo de construção é completamente diferente da do Templo e recorda a da edificação sagrada que, no lado esquerdo da Esfinge de Gizé, inicia a via sacra até à pirâmide atribuída a Kefren.
Segundo a tradição, realizavam-se grandes iniciações neste lugar. O candidadto entrava a Norte, como nas pirâmides, caminhava pela via sacra - onde hoje ainda podemos ver a representação dos mistérios da cosmogonia egípcia - chegava a uma ante-sala, mudava de túnica, e entrava no «sarcófago de Osíris» que estava contornado (ou submergido?) pelas águas de um braço do Nilo. Observando este mítico lugar, vêem-me à memória as palavras de Plutarco quando descreveu a experiência viva da iniciação: « Neste mundo [a alma] não tem conhecimento, salvo quando chega ao transe da morte. Então, sofre uma experiência como a daqueles que participam nas grandes iniciações. Por isso se parecem, tanto a palavra com a obra (teleutan ‘morrer’ y teleisqai ‘iniciar-se’), como uma acção com a outra. Primeiro, o vaguear sem rumo, os circuitos fatigantes e os percursos na obscuridade com a suspeita de que nunca terão fim e logo, antes de chegar ao próprio término, todos os terrores, estremecimentos, tremores, suor e confusão. Mas daí sai-se ao encontro de uma luz admirável e é-se acolhido em lugares puros e pradarias, repletas de sons e danças e da solenidade das palavras sacras e visões santas. Uma vez saciado de tudo isso e já iniciado, regressa-se livre e caminha-se liberto; coroado, celebra os mistérios e, na companhia de homens santos e puros, vê dali a turba não iniciada e impura dos seres vivos, no meio da lama e das trevas, pisando-se e empurrando-se uns aos outros, persistindo no medo da morte em comunhão com os malvados, por falta de fé nos bens dali.» (Fragm. 178, Sandbach)
Abydos toca algo de muito profundo na nossa Alma. Algo que este manto espesso do materialismo actual, «espiritual» ou reducionista, não nos quer deixar recordar…
Deixámos Abydos e seguimos em direcção a Denderah, onde se encontra o templo ptolomaico dedicado à deusa-mãe cósmica do Amor Universal. Fernand Schwarz, o egiptólogo que lidera esta expedição, logo nos indicou a importância das seis capelas dedicadas ao ciclo de Osíris que se encontram no terraço do Templo. Marcam a sequência da festa-ritual da morte e ressurreição de Osíris de cerca de três semanas que se realizava no mês de Koiak, começando na Lua Nova e acabando na Lua Cheia. Aqui se vê claramente a relação entre o culto dos mortos (Osíris é o rei do Dwat, o «Outro Mundo») e o culto agrário, Osíris permite, através das cheias do Nilo, a ressurreição anual da Natureza. Numa destas salas encontra-se o célebre Zodíaco de Denderah, melhor, encontra-se uma cópia já que o original levou-o Napoleão para Paris e está actualmente no Museu do Louvre.
Mas este Templo tem muitos outros motivos de interesse, nomeadamente a representação da criação do mundo na sua cripta de difícil entrada.
Encontro o entardecer junto ao lago sagrado que simbolizava as águas genesíacas de Nun, a divindade primordial donde emergiu Atum.
Era a atmosfera ideal para nos despedirmos de Hathor, a «Casa de Hórus». Seguimos para Luxor, a gloriosa Tebas do Império Novo.
Luxor, 8 de Janeiro de 2008
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Tebas e o Sul do Egipto. Deve ser fascinante contemplar e reviver a história, os sonhos e a magia desses belíssimos locais e dessas obras prodigiosas do engenho humano.
ResponderEliminarE é de facto evidente o contraste com o materialismo e superficialidade de muitas vertentes da nossa época actual.
Um hino à Vida, recordando a Morte e o Renascimento que todos os anos nos chega com a Primavera. " Osíris permite, através das cheias do Nilo, a ressurreição anual da Natureza. "
É muito bom continuar a acompanhar a vossa maravilhosa viagem.
M. A. Neves
Os mistérios do egipto não estão perdidos, encontram-se escondidos no mundo imaginal.
ResponderEliminarO acesso a eles dá-se através dum processo iniciático, que abre em nós as portas dos sentidos interiores: a olhos que veem e a orelhas que ouvem.
Era desse caminho iniciático do qual as piramides ainda hoje nos falam. O Paulo Loução assumiu durante a sua peregrinação a atitude correcta em termos de devida veneração e respeito por um património espiritual que, devido à sua gingantesca dimensão, continua sendo único na história da humanidade.
Obrigado pelo seu depoimento.
Da terra da deusa dos mil olhos
Victor